domingo, 10 de maio de 2015

poetas

AFINAL, conheci de fato um poeta e escritor de versos cativantes que, por algum tempo, hospedou-se na banheira de uma dama assaz versada, o que, creio, nos autoriza a lançar a questão sobre se o poeta, por delicadeza, desaparecia dali a tempo quando a dama desejava tomar banho.
Certo é, em todo caso, que o senhor Poeta se sentia muitíssimo bem em sua banheira, que ele próprio decorara de forma pictórica, com antigos casacos, panos, trapos e restos de tapetes, de uma maneira tão aventurosa quanto romântica; e, tanto quanto se sabe, ele afirmava, firme e resoluto, morar ao estilo árabe. Deus do céu, que criatura simpática, atraente e animadora é a fantasia!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Rumplestiltskin

Encerro aqui essa interatividrástica moda de vida através do “livro dos rostos” ou “bundas na janela”, como preferrirem. Por rasas rações proficcionais não desativarei essa conta, porém não prestarei, não darei e não dou mais conta. Esgotamento, mais além do cançaço. Deixarei de me esgueirar nesse lamassal medial ornamentado com narcisos publiciotários in-potenciais. Penso que o gênero humano ultrajado está maduro para algo mais. Os ofícios e artes trabalham pelo mínimo salário do mais secreto coração. Decifra-me que te devoro. Procure meu nome em terras onde não estou, e procure-me em terras onde meu nome não está.

Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações…
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida. Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça. Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando, presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção, o mundo vai mudar a cara, a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas. Andarei no ar.

Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias, me aninharei nos recantos do corpo da noiva, na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá: vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra, o vento que vem da eternidade suspenderá os passos, dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres, vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar, me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes. Detesto os que se tapeiam, os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”…
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas, os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães, as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos. Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.

A nossa sensibilidade, os nossos sentimentos, já não nos prometem nada: sobrevivem ao nosso lado, faustosos e inúteis como animais domésticos de apartamento. E a coragem – perante a qual o niilismo imperfeito do nosso tempo não cessa de bater em retirada – consistiria precisamente em reconhecer que já não temos estados de alma, que somos os primeiros seres humanos não afinados com uma ‘stimmung’ (estados de alma, disposição interior), os primeiros seres humanos por assim dizer, não musicais: somos sem ‘stimmung’, ou seja, sem vocação. Não é uma condição alegre, como alguns desgraçados no-lo querem fazer crer, nem sequer é uma condição, se por condição entendermos necessariamente, e ainda, um destino e uma certa disposição; mas é a nossa situação, o ‘sítio’, desolado onde nos encontramos, absolutamente abandonados por toda a vocação e por todo o destino, expostos como nunca antes.

Silêncio e paz. Ali eu podia ter ficado para sempre. É algo que nos falta. Primeiro postamos. Depois postúmulos. E que chova agora se quiserem. Brava ou leve como queiram. Que chova e lave, pois meu tempo é breve. Dei o melhor de mim quando me deixaram. Pensando sempre se eu vou tudo vai. Muliticroscrúpulos, torturas tântalas, e há alguém que me entenda? Um em milumanoites? Toda minha vida entre esses e agora náusea. Náusea às suas minúsculas manhas mornas. Náusea aos seus médios modos cômodos. E todos os borbotões vorazes que brotam de suas semialmas. E todas as brechas de ócio em seus corpos de pedrorgulho. Como tudo é nada! Mas eu vou-me soltando deste resto que é tudo o que eu detesto. Solunaticamente em mim só. Por todas as suas culpas. Sim, me vou indo. Oh amargo fim! Eu me escapulirei antes que eles acordem. Eles não hão de ver. Nem saber. Nem sentir minha falta.
A via a uma a una amém a mor além a deus


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

sombrancelhas




Te amo por ceja, por cabello, te debato en corredores
blanquísimos donde se juegan las fuentes
de la luz,
te discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza
de cicatriz,
voy poniéndote en el pelo cenizas de relámpago y
cintas que dormían en la lluvia.
No quiero que tengas una forma, que seas
precisamente lo que viene detrás de tu mano,
porque el agua, considera el agua, y los leones
cuando se disuelven en el azúcar de la fábula,
y los gestos, esa arquitectura de la nada,
encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro.
Todo mañana es la pizarra donde te invento y te
dibujo,
pronto a borrarte, así no eres, ni tampoco con ese
pelo lacio, esa sonrisa.
Busco tu suma, el borde de la copa donde el vino
es también la luna y el espejo,
busco esa línea que hace temblar a un hombre en
una galería de museo.
Además te quiero, y hace tiempo y frío.
(Julio Cortázar)

desespero



- Desejo alguém que ame com bondade e que saiba ler.
- Alguém que salve para ti?
- Sim. Alguém que tenha para comigo esta memória.

domingo, 23 de dezembro de 2012

um de Cortázar

Esta noche, buscando tu boca en otra boca, 
casi creyéndolo, porque así de ciego es este río 
que me tira en mujer y me sumerge entre sus párpados, 
qué tristeza nadar al fin hacia la orilla del sopor 
sabiendo que el placer es ese esclavo innoble 
que acepta las monedas falsas, las circula sonriendo. 
Olvidada pureza, cómo quisiera rescatar 
ese dolor de Buenos Aires, esa espera sin pausas ni
esperanza.
Solo en mi casa abierta sobre el puerto
otra vez empezar a quererte,
otra vez encontrarte en el café de la mañana
sin que tanta cosa irrenunciable
hubiera sucedido.
Y no tener que acordarme de este olvido que sube
para nada, para borrar del pizarrón tus muñequitos
y no dejarme más que una ventana sin estrellas.


(Presencias - 1938)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"i will wade out"

irei a vau
até embeber as coxas em flores de fogo
levarei o sol na boca
dando pulos no ar maduro
Vivo
de olhos oclusos
para topar com a escuridão
nas curvas sonolentas de meu corpo
entrarão dedos de maestria suave
com a castidade das ninfas
Completarei o mistério
da minha carne
Levantarei
Mil anos depois
lambendo
flores
E cravarei os dentes na prata da lua

(ee.cumings)



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Aires

Buenos Aires é uma cidade ambígua.
oscila entre a calma e a euforia
hostilidade e amabilidade
crueldade e bondade
organização e caos
provincianismo e cosmopolitismo
masculino e feminino
arrojado e medíocre
tacanho e elevado
tédio e entusiasmo
tradicional e contemporâneo
riqueza e miséria
concórdia e discórdia
virtude e vilidade
decadência e  modernidade
brega e chique
justiça e opressão
lucidez e sandice
asco e deleite
belo e feio

Os que aí vivem sofrem desse desejo ambíguo
de querê-la loucamente e fujirem dela regularmente.

Mas apesar das querelas cotidianas,
no fundo seus fieis concidadãos
não a traem.

São apaixonados por ela
apegados
vestem-se de um orgulho típico
que fazem dessa bela e feia dualidade
uma bela e vital
intensidade

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

cosmogonia

um amor
mais vasto que o cajueiro
mais vasto que o baobá
mais vasto que o riachuelo
mais vasto que a pampa
mais vasto que o pacífico

uma amor expandindo
abraçando infinito
abre meu peito

esse coração sofre de bobagens
mas é sábio em aceitar
preservar
entrelaçar
agradecer

vínculo

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Instintos

Foi quando finalmente me aproximei, te peguei pelas mãos e te levei para um canto afastado daquela euforia. Eu ia à frente e você seguia atrás. No caminho você reparava no cabelo da minha nuca, a gola do meu paletó, minhas orelhas e mãos. Descemos as escadas e fomos até um cômodo lúgubre, meio abafado.
Não se via um palmo à frente. Então dei a volta e agarrando sua cintura por detrás sussurrei em seu ouvido:
 - Minha língua te espreita.
Senti seu corpo jovem de mulher, um cheiro quente de flores adocicadas.
Senti seus poros transpirando enquanto você gemia  incontrolavelmente.
Aquilo nos entorpeceu. Nos embriagou até o esgotamento.
Aquilo foi o amor trabalhando na sua loucura.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Joie, Alegria



A filosofia é mesmo apaixonante.
Deleuze foi apaixonado por ela.
Deleuze é apaixonante.
Deleuze vivia se lamentando.
Deleuze adorava as elegias.
Deleuze foi um filósofo alegre?
É possível.

ALEGRIA. um conceito de  Spinoza, que tornou a alegria um conceito de resistência e vida.

“Evitemos as paixões tristes e vivamos com alegria para ter o máximo de nossa potência; fugir da resignação, da  má-consciência, da culpa e de todos os afectos tristes que padres, juízes e psicanalistas  exploram”.

O que é a alegria?

Deleuze: vou simplificar muito, mas quero dizer que a alegria é tudo o que consiste em preencher uma potência. Sente alegria quando preenche, quando efetua uma de suas potências.

Exemplo: Eu conquisto, por menor que seja, um pedaço de cor. Entro um pouco na cor. Pode imaginar a alegria que isso representa? Preencher uma potência é isso, efetuar uma potência. Mas o que é equívoco é a palavra “potência”.

E o que é a tristeza?

É quando estou separado de uma potência da qual eu me achava capaz, estando certo ou errado. 
“Eu poderia ter feito aquilo, mas as circunstâncias... não era permitido, etc.”
É aí que ocorre a tristeza. Qualquer tristeza resulta de um poder sobre mim.  
O ruim é o menor grau de potência. E este grau é o poder. O que é a maldade? É impedir alguém de fazer o que ele pode, é impedir que este alguém efetue a sua potência. Portanto, não há potência ruim, há poderes maus. E talvez todo poder seja mau por natureza.
A confusão entre poder e potência é arrasadora, porque o poder sempre separa as pessoas que lhe estão submissas,  separa-as do que elas podem fazer.
“A tristeza está ligada aos padres, aos tiranos, juristas, psicanalistas...”
São pessoas que separam seus sujeitos do que eles podem, que proíbem as efetuações de potência.

E o que é este poder de padre e em que está ligado à tristeza?

Segundo Nietzsche, o padre se  define desta forma: ele inventou a idéia de que os homens estão num estado de dívida infinita. Eles têm uma dívida infinita. Antes, havia histórias de dívida, mas Nietzsche precedeu todos os etnólogos. Aliás, os etnólogos deveriam ler Nietzsche. Eles descobriram bem depois de Nietzsche que, nas sociedades primitivas, havia permutas de dívidas. Não funcionava tanto através da troca, como se pensava, mas por partes de dívidas: uma tribo tinha uma dívida para com outra tribo, etc. Eram blocos de dívidas finitas: eles recebiam e devolviam. A diferença com a troca é que havia a realidade do tempo. Era uma restituição  diferida. É importante! A dívida precede a troca. São questões filosóficas: a permuta, a dívida, a dívida que precede a troca. É um grande conceito filosófico. Digo filosófico porque Nietzsche disse antes dos etnólogos. Mas enquanto as dívidas têm este regime finito, o homem pode se libertar. O padre judeu invoca, pois, em virtude de uma Aliança, a idéia de uma dívida infinita do povo judeu para com Deus, e os cristãos retomam esta idéia de outra forma, a idéia de dívida infinita ligada a do pecado original. O personagem do padre é muito curioso. E cabe à Filosofia fazer o conceito. Não digo que a Filosofia seja atéia, mas, no caso de Spinoza que já tinha esboçado uma análise do padre, do padre judeu no Tratado Teológico-Político, pode acontecer que conceitos filosóficos sejam verdadeiros personagens. É por isso que a Filosofia é tão concreta. Fazer o conceito do padre é como algum artista faria o quadro ou o retrato do padre. O conceito do padre trazido por Spinoza, por Nietzsche e, depois, por Foucault, forma uma linhagem apaixonante. Eu também gostaria de entrar nesta linha e ver que poder pastoral é esse. Dizem que ele não funciona mais, mas quem o substituiu?

A psicanálise é um novo avatar do poder pastoral. Em que ele se define? 

Os padres não são a mesma coisa que os tiranos, mas eles têm em comum o fato de manterem-se no poder através das paixões tristes que eles inspiram aos homens. Do tipo:  “Arrependam-se em nome da dívida infinita, você é objeto da dívida infinita”. Por esse caminho, eles têm poder! O poder é sempre um obstáculo diante da efetuação das potências.

Eu diria que todo poder é triste. Mesmo se aqueles que o detêm se alegram em tê-lo. Mas é uma alegria triste. Sim, existem alegrias tristes. Mas a alegria é uma efetuação das potências. Eu repito: não conheço nenhuma potência má. O tufão é uma potência. Alegra-se na alma, mas não por derrubar casas, mas simplesmente por ser. Regozijar-se é estar alegre pelo que somos, por ter chegado onde estamos. Não se trata da alegria de si mesmo, isto não é alegria, não é estar satisfeito consigo mesmo. É o prazer da conquista,  como dizia Nietzsche. Mas a conquista não consiste em servir pessoas. A conquista é, para o pintor, conquistar a cor. Isso sim é uma conquista. Neste caso, é a alegria. Mesmo que isso não termine bem, pois nestas histórias de potência, quando se conquista uma potência, ela pode ser potente demais para a própria pessoa e ela acaba não suportando. Van Gogh!



Um bom desaniversário pra você!



"Twinkle, twinkle, little bat
How I wonder what you're at
Up above the world you fly
Like a teatray in the sky"

"Brilha, brilha morceguinho
Queria saber onde está você
Voa bem alto pelo mundo
Como uma bandeja de chá no céu."

segunda-feira, 18 de junho de 2012

discurso de aniversário


ONDE AGORA? Quando agora? Quem agora? Sem me perguntar. Dizer eu. Sem pensar. Chamar isso de perguntas, hipóteses. Ir adiante, chamar isso de ir, chamar isso de adiante. Pode ser que um dia, primeiro passo, vai, eu tenha ficado simplesmente alí, onde, em vez de sair, segundo um velho hábito, passar dia e noite tão longe de casa quanto possível, não era longe. Pode ter começado assim. Não me farei mais perguntas. Você só pensa em descansar, para agir melhor depois, ou sem segundas intenções, e eis que em muito pouco tempo já se está na impossibilidade de nunca mais fazer nada. Pouco importa como isso se deu. Isso, dizer isso, sem saber o quê. Talvez não tenha feito mais que ratificar um velho fato consumado. Mas não fiz nada de fato. Parece que falo, não sou eu, de mim, não é de mim. São algumas generalizações para começar. Como fazer, como vou fazer, que devo fazer, na situação em que estou, como proceder? Por aporia pura, ou melhor por afirmações e negações invalidadas à medida que são expressas, ou mais cedo ou mais tarde. Isso de uma forma geral. Deve haver outros expedientes. Senão seria um desepero total. Observar, antes de ir mais longe, ao adiante que digo aporia sem saber o que isso quer dizer. Pode-se ser efético de outro modo que à revelia? Não sei. Os sim e não são outra coisa, retornarão a mim à medida que progrida, e a forma de cagar-lhes em cima, mais cedo ou mais tarde, como um pássaro, sem esquecer um só.

Diz-se isso. O fato parece ser, se na situação em que me encontro pode-se falar de fatos, não apenas que eu vá ter de falar coisas das quais não posso falar, mas ainda, o que é ainda mais interessante, que eu, não sei mais, não faz mal. Entretanto sou obrigado a falar. Não me calarei nunca. Nunca.

O Inominável, de Samuel Beckett.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

possibilidade de destruição

pincéis


Sobre o verde carregado,
Traçado pelo dedo da vida:
O rasto luminoso da mão
Que agarrou a noite e a madrugada da palavra
Em redor da qual agora se ergue o brilho
Da gratidão de lonjuras reunidas -

Ao subir da tela,
Desejoso de mudança:
Um azul que tudo inunda.

Nas suas margens, branco como o dia:
O tempo desta imagem.

Que cresce como teu olhar quer.

senso prático



Com o vento pelas costas,
morro e apago-me
na grande monção.
É então que verdadeiramente vivo.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O poeta come amendoim



Brasil amado, não porque seja a minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão nosso onde deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas, amores, danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento muito pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir



poema:Mario de Andrade
leitura:Denise Stoklos

domingo, 10 de junho de 2012

Os anos de ti para mim

O teu cabelo volta a ondular-se quando choro.
Com o azul dos teus olhos, pões a mesa do nosso amor:
uma cama entre o verão e o outono.

Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu,
nem um terceiro:
Sorvemos o último vazio.

Miramo-nos nos espelhos das águas  profundas
e passamos mais depressa um a outro os alimentos:
A noite é a noite, começa com a manhã,
É ela que me deita a teu lado.

terça-feira, 29 de maio de 2012

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um poema de Jorge Boccanera:


El abejón aletea alredor del búho parado
en el sombrero de la niña que camina
sobre el lomo de caballo que galopa
por el camino polvoriento.
Pero, en verdad,
el abejón, el búho, la niña y el caballo
son figuras inmóviles
y lo único que corre
salvaje
es el camino.

domingo, 6 de maio de 2012

domingo, 15 de abril de 2012

linha da vida

As linhas da mão | Julio Cortázar

  De uma carta jogada em cima da mesa sai uma linha que corre pela tábua de pinho e desce por uma perna. Basta olhar bem para descobrir que a linha continua pelo assoalho, sobe pela parede, entra numa lâmina que reproduz um quadro de Boucher, desenha as costas de uma mulher reclinada num divã e afinal foge do quarto pelo teto e desce pelo fio do pára-raios até a rua. Ali é difícil segui-la por causa do trânsito, mas prestando atenção a veremos subir pela roda do ônibus estacionado na esquina e que vai até o porto. Lá ela desce pela meia de náilon da passageira mais loura, entra no território hostil das alfândegas, sobe e rasteja e ziguezagueia até o cais principal, e aí (mas é difícil enxergá-la, só os ratos a seguem para subir a bordo) alcança o navio de turbinas sonoras, corre pelas tábuas do convés de primeira classe, passa com dificuldade a escotilha maior, e numa cabine onde um homem triste bebe conhaque e ouve o apito da partida, sobe pela costura da calça, pelo jaleco, desliza até o cotovelo, e com um derradeiro esforço se insere na palma da mão direita, que nesse instante começa a fechar-se sobre a culatra de um revólver.

domingo, 8 de abril de 2012

COMPANHIA DE VIAGEM

A alma da tua mãe flutua adiante.
A alma da tua mãe ajuda a noite a navegar, escolho após escolho.
A alma da tua mãe fustiga os tubarões à tua frente.

Essa palavra é a disciplina da tua mãe.
A discípula da tua mãe, partilha teu jazigo, pedra a pedra.
A discípula da tua mãe inclina-se para a migalha de luz.

sábado, 10 de março de 2012

A caverna dos sonhos esquecidos

Após assistir o último filme de Werner Herzog "A caverna do sonhos esquecidos"

“Por que o nascimento da arte esteve ligado a uma expedição subterranea?
Por que a arte foi e permanece um sombria aventura?
A arte visual apresentaria um laço com os sonhos, que são eles também visões noturnas?
Vinte e mil anos se passaram: no final do sec XIX a humanidade veio em massa se enterrar e se algomerar nas salas escuras da cinematografia, das camaras de concerto, das salas de teatro.
Por que todos os santuários começam onde a luz do dia como a  claridade astral cessam de ser perceptíveis, ali onde a escuridão e a profundidade oculta da terra reinam absolutas?
Por que seria preciso esconder essas imagens (que não são imagens, que a cada vez foram visões, phantasmata, que só surgiram semivisíveis com a  ajuda da chama trêmula que repousava na gordura do animal abatido) no escondido da terra?
Por que o pensamento de bisões e de cabritos “fugiu” no momento do recuo das geleiras?
Apresento a especulação própria a esse pequeno tratado na seguinte forma: essas cavernas não são santuários de imagens.
Afirmo que as grutas paleolíticas são instrumentos musicais cujos muros foram decorados.
As pinturas rupestres começam onde cessamos de ver a mão diante do nosso rosto.
Ali onde vemos a cor negra.
O eco é o guia e a referência na escuridão silenciosa onde eles penetram e onde eles buscam as imagens.
O eco é a voz do invisível. Os vivos não veêm os mortos à luz do dia. Enquanto eles os veêm à noite nos sonhos. No eco, o emissor não é encontrado. É o esconde-esconde entre o visível e o audível.
Os primeiros homens pintaram suas visiones nocturnae deixando-se guiar pelas propriedades acústicas de certas paredes.
À luz da lâmpada de gordura, que descobria uma a uma as epifanias bestiais cercadas de sombra, respondiam as músicas litofônicas de calcita.”
(Pascal Quignard)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Aquilo levanta-se. O quê? Sim. Dizer que se levanta e fica de pé. Teve de se levantar por fim e ficar de pé. Dizer ossos. Ossos nenhuns mas dizer ossos. Dizer chão. Chão nenhum mas dizer chão. De modo a dizer dor. Mente nenhuma e haver dor? Dizer que sim que os ossos podem doer até não haver alternativa senão levantar. Dalgum modo levantar e ficar de pé. Ou melhor pior restos. Dizer restos de mente onde nenhuns para permitir a dor. Dor dos ossos até não haver alternativa senão levantar e ficar de pé. Dalgum modo levantar. Dalgum modo ficar de pé. Restos de mente onde nenhuns só para a dor poder haver. Aqui dos ossos. Outros exemplos se preciso for. De dor. Alívio de. Mudança de. Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Mas nunca tão falhada. Pior falhada. Com cuidado nunca pior falhada.  Luz obscura origem desconhecida. Sabe-se o mínimo. Não não se saber nada. Seria esperar de mais. Quando muito o mínimo dos mínimos. Maximamente menos que o mínimo dos mínimos.
Não haver alternativa senão ficar de pé. Dalgum modo levantar e ficar de pé. Dalgum modo ficar de pé. Ou isso ou gemer. O gemido que de longe tão longo vem. Não. Gemido nenhum. Dor simplesmente. Levantado simplesmente. Um tempo para tentar como. Tentar ver. Tentar dizer. Como a princípio esteve deitado. Depois de algum modo se ajoelhou. Pouco a pouco. E em diante a partir daí. Pouco a pouco. Até se levantar por fim. Não agora. Agora falhar melhor pior.  Um outro. Dizer um outro. Cabeça afundada em mãos paralisadas. Vértice vertical. Olhos cerrados. Sede de tudo. Embrionária de tudo.  Isto não tem futuro. Infelizmente tem. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor. 
Melhor pior. Melhor caminhar. Caminhar parar. Parar sentar. Sentar deitar. Deitar dormir.  Dormir sonhar. Sonhar caminhar. 

The Death of Klinghoffer

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

El hombre imaginario

El hombre imaginario
vive en una mansión imaginaria
rodeada de árboles imaginarios
a la orilla de un río imaginario

De los muros que son imaginarios
penden antiguos cuadros imaginarios
irreparables grietas imaginarias
que representan hechos imaginarios
ocurridos en mundos imaginarios
en lugares y tiempos imaginarios

Todas las tardes tardes imaginarias
sube las escaleras imaginarias
y se asoma al balcón imaginario
a mirar el paisaje imaginario
que consiste en un valle imaginario
circundado de cerros imaginarios

Sombras imaginarias
vienen por el camino imaginario
entonando canciones imaginarias
a la muerte del sol imaginario

Y en las noches de luna imaginaria
sueña con la mujer imaginaria
que le brindó su amor imaginario
vuelve a sentir ese mismo dolor
ese mismo placer imaginario
y vuelve a palpitar
el corazón del hombre imaginario.



Nicanor Parra. O Antipoeta.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012